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UMA OBRA DE FICÇÃO ESCRITA A QUATRO MÃOS
 
Uma única história sobre dois personagens escrita por dois autores, simultaneamente, sem enredo e sem roteiro.

As regras:
1. Nada é combinado.
2. Um autor só escreve após um post do outro.

Naturalmente, comece pelo post mais antigo.
 


terça-feira, julho 3


Ela não quer. Aposto que não quer. Respondeu friamente a minha mensagem. Alguma coisa do tipo "ok. Que tal depois de amanhã." E este dia não chegou até agora.


segunda-feira, julho 2


O Dalton me respondeu o e-mail dizendo que é uma péssima hora pra conversar com o Nêgo. Ele acabou de assumir um programa esse mês que, além de ser a cara dele, tem dado super certo, então ele não pode correr o risco agora. Beleza, e eu nessa? Não sou de me esconder por nada nem ninguém. Tô disposta a por um fim nisso, por bem ou por mal.

*

Ouvi no sábado o tal programa novo. Chama "Desodorante" e passa nas noites de quinta à sábado no horário em que a galera tá se arrumando pra balada. É mesmo muito a cara dele. Que pena!

*

Hoje o Dalton vai me buscar na ginástica. Acontece que não estarei lá, vou ver o Marcelo. O gato quer uma mãozinha com a Gabi, coisa que "só grandes amigas sabem fazer". Acontece que a Naninha aqui tem outros planos pra ele.


sexta-feira, junho 29


"Bailarina, quero te ver outra vez. Vamos começar do zero? Deixa eu te ver? Esse é meu novo cel. Bjs, Marcelo"


quarta-feira, junho 27


SEGUNDA TEMPORADA

"Dalton, agora não dá mais, vc vai ter que conversar com ele. Quebrei um pau com a Taís na Purple sábado. Não sei como, mas ela sabe. Me puxou pelo braço e disse que se a gente não abrir o jogo ela mesma conta a história toda. Olha, se quiser eu vou com vc. Sinceramente, me sinto culpada por ter mentindo e fico incomadada por isso estar duranto tanto. Tá na hora de todo mundo saber que troquei o Nêgo pelo grande amigo dele, mas que esse amigo é vc, e não o Beto.

Bjs.

Nana"


terça-feira, abril 3


Vou tentar resumir esse tempo tão grande que passou:

- Comecei a escrever um diário nada virtual. Comprei um daqueles com chavinha e cadeado, igualzinho como tinha quando era menina. Comprei uma caneta preta novinha que guardo junto com ele. Nesse momento, estão dentro da mala.

- Briguei com a Luiza por causa da exposição em São Paulo. "Amigos, amigos, negócios a parte"... Mas misturamos tudo e nada deu certo no final: nem amizade, nem negócios.

- Tirando a briga, a exposição foi um sucesso e recebi um convite para ir a Miami. Fui. Preciso aprender inglês porque com francês só não ganho o mundo.

- De Miami a Nova York. Um caso de três dias com um americano sarado. E nada mais que isso, pois não daria conta.

- Meses passaram. Estou de volta. Coração zeradinho. Mãe em casa para fazer comidinhas e fiscalizar a anemia. Viajar ajuda em qualquer relação!

- Estou buscando nova inspiração. Voltei para a academia e tenho saído com a Nana para beber.

- Estou feliz, cabelos novos e unhas vermelhas.


quinta-feira, janeiro 11


Vinte dias abençoados. Após três anos sem férias, finalmente, o merecido descanso. Vinte dias de atividades fúteis que foram de organizar em ordem cronológica os 1.163 discos a instalar o Atari na TV de vinte e nove. As únicas regras a que me submeti foram: não ficar sóbrio por mais de 4 horas, não calçar nada além de chinelos e em hipótese alguma ligar o rádio.

Saldo: Conheci uma garota de 20 aninhos que me deu 23; peguei micose no rio; recusei três ofertas no Boogie-Woogie; comi ostra pela primeira vez; tomei a sopa de colve da minha mãe; ganhei cinco quilos; assisti Pica-pau; discotequei na Purple numa festa que entrou pros anais; comprei um disco raríssimo do The Doors; aprendi a pilotar moto; briguei com a Taís por causa da guria de 20 anos.

Levantar da cama foi punk, mas, na verdade, já estava sentindo falta daquele carpete fedorento do estúdio. Pra minha alegria, reformaram o escritório e minha mesa agora fica de frente pro janelão. De lá, avisto um prédio enorme que imagino ser residencial. Preciso de um binóculo.


domingo, dezembro 17


Na correria entre uma exposição e outra, agora aqui em São Paulo, mas de saldo positivo em relação aos últimos acontecimentos.

A primeira exposição teve um boa crítica no geral, e ajudou a repensar algumas coisas para essa segunda. (pelo menos os erros nesta serão diferentes)

Dodô e Luiza chegam amanhã para dar uma forcinha. Enquanto isso tomo um copo de campari e penso num moreno da rádio que foi ver a exposição na sexta passada.


quinta-feira, dezembro 14


Ela é sensível, bonita, inteligente, educada, independente... e me trocou por um motoboy. O novo namorado da Nana é um motoboy miserável. Tive o desprazer de encontrá-los juntos na sexta-feira, quando fomos todos à exposição da Gabi. Queria muito estar de braços dados aquela noite com uma loira de um metro e oitenta e uma pinta perto da boca. Mas não estava. Estava com o Fred e o Marcelo quando eles chegaram. Ela nos viu e veio falar com o Marcelo. Cumprimentou o Fred e me deu um sorrisinho como quem diz "Oi, já era tempo, né?". Antes que viesse me apresentar o infeliz fui salvo pelo chamado da Super-Taís.

Fiquei, obviamente, incomodado com a presença da ex-namorada, mas decidi me dedicar àquilo que me levara alí. Ficamos umas duas horas olhando o trabalho impecável da Gabi. A moça tem um olhar e uma técnica de fazer inveja e a montagem estava mega-criativa. Vamos lá falar com ela, sugeriu a Taís. Estava conversando com mais três pessoas quando nos aproximamos. A "senhorita" pode me dar um autógrafo?, brinquei. Expliquei que era o cara da rádio. Ela riu e agradeceu a presença. Elogiei as fotos e ela sorriu de novo. Pensei em perguntar algo do tipo "Me trocaria por um motoboy?", mas preferi encerrar conversa. De longe avistei o Fred e fiz sinal batendo os dedos contra o relógio. Assinamos o caderno de visitas e fui embora com a Taís.

Não sei porque isso tudo me voltou a mente, mas acabei de ter uma idéia um tanto quanto sacana. Uma coisa que deixaria a Nana perturbada. Preciso falar com o Marcelo.


terça-feira, dezembro 5


Todos os convites já foram enviados. A Luiza, agora além de amiga minha assessora de imprensa, já se encarregou de divulgar nos nossos pubs favoritos, nos cadernos de cultura e diversos, e até na academia ela deu um jeito "espalhar" a notícia.

O Dodô, melhor amigo do mundo, está me ajudando na decoração. Bendita hora que resolvi fazer aquela matéria de design de interiores! Já bolamos tudo: a parede coberta de jornal, as latas de tinta nos cantos, a escada de madeira, as janelas antigas como porta-retratos. Até um andaime ficamos de montar. Vamos passar o dia amanhã arrumando tudo isso. Ele ainda prometeu sair comigo para comprar o vestido para a noite da exposição.

É verdade, agora mal consigo dormir. Hoje quero sair para dançar e beber um pouco. Ficar em casa aumentaria a ansiedade. Estou ouvindo Coolio e pensando aonde pode estar a minha mini-saia preta...


segunda-feira, dezembro 4


O Dalton passou pela minha mesa na hora do café e atirou um convite sobre o teclado. Vale a pena ver a expositora, comentou enquanto entrava pra sala verde-claro. Era uma divulgação da tal exposição da tal Gabriela, amiga da Nana, bailarina do Calabouço, fotógrafa, esquema do Marcelo, fantasia do Dalton. Muito educado da parte dela mandar convite pra cá. Se for tão boa quanto o trabalho que vi, é melhor distribuírem senha, respondi ao Dalton. Fiquei olhando a arte e me lembrando do recado que deixei na secretária dela. "A Senhorita pode passar aqui". Senti uma vergonha subindo cabeça afora. Senhorita. De onde tirei isso? Baita gafe.

Taís vai me encontrar na saída da rádio. Quer que eu vá a um estúdio de tatuagem com ela pra ajudar a escolher uma figura. É a terceira esse ano. E ela não muda um corte de cabelo sem saber minha opinião. Segundo ela, tenho um bom gosto masculino que me é peculiar. Então tá.


E finalmente tudo está voltando ao "normal".
Ontem mamma voltou pra casa, depois de anotar 15 coisas que eu não devo me esquecer num papel de caderno e pregar na geladeira com um rótulo de iogurte. Por esse motivo, talvez, o décimo quinto recado foi: comprar fita adesiva. Peça rara, não!?

Mas as boas novas é que voltei ao médico na sexta e ele me informou que está tudo melhorando. Mal sabe ele, mas está mesmo. Recebi um convite para expor umas fotos em São Paulo. Embarco com malas e negativos logo depois da exposição.

Fui a rádio buscar as fotos e encontrei o Marcelo. Não. Não quero sair com ele. Encontrei o tal do Dalton, com quem falei ao telefone algumas vezes e ainda vi de longe um moreno bem gato.

Ontem saí pra dançar, há muito não curtia tanto. Calça preta, salto alto e maquiagem. Cheguei em casa sem salto e sem batom. (mas ele saiu no copo de campari, infelizmente)

Hoje acordei cedo para arrumar tudo para a exposição. Essa sexta, meu Deus! Ansiosa e cheia de tarefas...


Cinco a zero. Todos nós odiamos Natal, então decidimos enforcar o Papai Noel no dia 25. O último voto foi do Dalton que aceitou, milagrosamente, o convite para a Uór Naite.

Na verdade ele não deu a mínima pra "Guerra Mundial dos Amantes da Vodka" e passou a noite garimpando meus LPs, bancando o disc jockey e oferencendo música pra todo mundo. Durante um breve e raro silêncio, sacou um Jimi Hendrix e ofereceu Foxy Lady praquela "fotógrafa quente". Ainda brincou que, se soubesse o tamanho do sexy appeal teria aprovado logo aquele patrocínio. Todos rimos, menos o Marcelo. Wow, wow, wow, interviu imediatamente. Essa presa já tem dono, meu caro! Pronto, circo montado. O Dalton explicou que ela foi até a rádio buscar as fotos durante o meu programa. Desculpe, Marceleza, por cobiçar a carne alheia. Dando uma piscadela pra mim ainda provocou, corpo de academia do jeito que tu gosta. A Taís balançou a cabeça num ato de reprovação feminista onde leu-se "homens: todos iguais" e jogou os dados: A Europa é minha. Game Over!


Quando o Marcelo estava de saída o Fred voltou ao assunto e perguntou se tava namorando. Marcelo fez cara de "tá me estranhando" e disse que a fotógrafa era complicada demais pra idéia dele. Depois mandou a pergunta pra mim. Fiz cara de "não conta pra ninguém" e apontei pra Taís. Caímos no riso.

*

A próxima canção vai pra todas as garotas que são lindas sem fazer esforço. Mr. Jimi Hendrix: Foxy Lady.


quinta-feira, novembro 23


Driblei os "supercuidados" da mamãe ontem a noite e saí do meu ap quase que às escondidas para encontrar duas amigas. Bebemos, embora eu não devesse, e acabei me abrindo com elas. Contei sobre o meu padrasto, sobre como o sofrimento da mamãe só passou quando ela o encontrou, e como isso também significou o início do meu. Contei sobre o Júlio, o porquê do nosso casamento. Disse sobre a falta do papai, o ciúmes da família nova dele, e como eu não conseguiria contar toda a verdade pra mamãe, embora o monstro que ela considerava rei já tenha morrido. Não desejo morte a ninguém, claro que não, mas me deu um alívio estranho quando soube do ataque cardíaco dele. Mamãe custou a se recuperar. Hoje está melhor, mas talvez por isso se assuste tanto com minha anemia. Meu Deus, é só uma anemia.
Contei grande parte do passado que eu tento esconder até de mim mesma. Coisas que só o Júlio sabe. Mais ninguém. Disse o quanto me dói ter que mentir pra mamãe, mas que, ao mesmo tempo, só traria sofrimento se ela soubesse da verdade.

Depois de boas doses de whisky e algumas lágrimas - a Marina chorou muito - voltei para casa de táxi e dormi com a roupa do corpo.

Acordei com dor de cabeça e sede. Mamãe não estava em casa. Aproveitei para telefonar para a rádio e saber se posso buscar hoje as fotos.


quarta-feira, novembro 22


Nós três temos um pacto, se um briga, todo mundo briga. O Fred bebeu mais que devia e acabou cantando a mulher errada. Ela deu corda a noite toda e todo mundo percebeu isso. Eu mesmo acabei sendo entusiasta da situação. Acontece, que na hora do vamos ver o namorado apareceu do nada e partiu pra cima do Fred. Em cinco segundos era uma dúzia de envolvidos. Ninguém imagina que, assim como nós, tem sempre uma turma que adora um pau. Saldo: Fred quebrou o nariz, Marcelo rasgou a camisa e eu machuquei os dois punhos, o cotovelo e arranhei o rosto. Chegamos às 6h do pronto socorro. Bêbados.

*

A reunião de ontem foi mais trágica que podia imaginar. O Dalton quer acabar com o programa. Disse que a audiência caiu consideravelmente. Os telefonemas pararam, os anunciantes sumiram. Depois de muito insistir e argumentar ele acabou me dando uma colher de chá e ficamos no ar pelo menos até janeiro. Poxa, 5 anos fazendo essa bagaça. Não imaginava que havia me apegado tanto até resolverem me tirar o que considero as duas horas mais divertidas do dia. Isso não fica assim, não mesmo.

*

Você está na Sintonia Predileta. Fique agora com Joe Cocker, Unchain my heart.


terça-feira, novembro 21


Mamãe descobriu minha cicatriz.
Menti.


Ouvindo Tracy Chapman e tomando suco de laranja com beterraba.


O mundo é pequeno, não? A Gabriela, ou melhor, a Gabi é a tal nova amiga da Nana e, aparentemente, novo rolo do Marcelo. Parece que sairam algumas poucas vezes desde a festa no Calabouço. O Marcelo se ofereceu pra devolver as fotos, cheio das boas intenções. Respondi que ela precisava assinar o protocolo, mas pedi que desse o recado novamente.

Tinha um flyer rabiscado debaixo da minha porta com a letrinha da Taís: Vamos dançar na Purple hoje. Vou no Boogie-woogie. Aposto que foi idéia da própria sair em plena terça-feira. A Taís ainda não entendeu que nem todo mundo é freelancer como ela e acorda quando bem entende. Então é isso, terça-punk.

*

Reunião à tarde. Pauta: Reestruturação da programação. Mau pressentimento.


segunda-feira, novembro 20


Mamãe está se saindo melhor que encomenda.
Acorda cedo, sai para dar uma volta, só volta na hora do almoço.
Consegue me deixar quietinha revelando fotos. Prepara aquele almoço cheio de feijão e bife de fígado (éca!) e depois vê um filme ou cuida das plantas pra mim.
Eu estou me sentindo estranha. Tenho vontade de chorar de repente. Mas isso sei que nada tem a ver com a anemia.

Mas é bom estar de volta. E saber que ainda consigo conviver em paz com a mamma.

Preciso voltar agora ao trabalho. A data da exposição está chegando. Quero pensar umas novidades.

Comprei um tapete novo. Adoro tapetes.


Dois a dois. Marcelo e Fred acham que posso ser considerado negro, Taís e eu achamos que não. Concordamos que definição de raça é uma coisa muito relativa, que a mãe da Nana é uma perfeita idiota por tê-la proibido de namorar um cara moreno, e que a Nana é uma grande babaca por ter acatado, por fim das contas, a idéia dela. Voltamos a falar sobre o assunto na sinuca de ontem porque a Taís disse que ainda estava engasgada com o que contei no jogo da verdade. Realmente, eu nunca esperei passar por uma situação assim, mas acontece que, ao contrário da Taís e da minha irmã, eu não me revoltei com a história. Palavra.

*

Assim que cheguei à rádio me lembrei de uma coisa péssima. Levei na sexta o portfolio da Gabriela, a fotógrafa, pra mostrar à Taís e acabei me esquecendo de trazer de volta. Se ela resolve me aparecer hoje pra buscá-lo, compro um problema sério com o Dalton. Liguei então pro Marcelo e pedi que buscasse as chaves do apartamento com a Nana e me trouxesse o portfolio na rádio. Ainda não chegou pra mim, mas pela mensagem que acabou de chegar do Marcelo, sei que achou o material: Desde quando conhece a Gabi?


segunda-feira, novembro 13


Anemia.

"Das brabas", disse o doutor Evaristo. Estou voltando pra casa. Na bagagem, além de beterraba "de casa", espinafre e couve, estou levando a mamãe. É.
Quero só ver como vai ser essa nova experiência.

Ou melhor, não quero nem ver.


Sábado teve Uór Naite. Começamos com isso por uma falta do que fazer e agora todo final de semana que chove é um ligando pro outro pra ir pra casa do Nêgo jogar War. A turma é a de sempre: Marcelo, Fred, Taís e eu. A competição sempre começa muito séria, mas, inevitavelmente, terminamos todos bêbados em cima do tabuleiro desenhando trajetos no mapa que faremos juntos dentro duma Kombi.

No auge da embriaguês coletiva, Taís me saca uma long neck vazia e gira a garrafa no chão. Parabéns, Nêgo, você vai me responder uma verdade, disse ela enquanto amarrava o elástico no cabelo. Essas coisas só acontecem com você mesmo, Nêgo, soltou o Marcelo meio a gargalhadas. Eu é que não ia estragar a festa, tá na chuva é pra molhar. Saldo da brincadeira: descobrimos que a Taís nunca beijou uma garota, e isso foi novidade; descobrimos que o Fred já gostou da Taís, o que não é novidade nem pro Marcelo, nem pra mim; Marcelo confessou um fetiche por pés descalços e a Taís não teve como recusar nosso pedido e fez um feet-strip pra delírio masculino; por fim, todo mundo ficou sabendo a verdade sobre o término do meu namoro. Depois desse ótima história a Taís soltou dois palavrões cabeludos que foram seguidos de um longo silêncio geral.

Cada um deu jeito de capotar num canto do apartamento.


*

Você está ligado na Sintonia Predileta. O programa de hoje é dedicado à todos aqueles que ainda têm a hombridade de chorar um amor. Começamos com uma linda canção eternizada na voz dos Beatles: Baby it's you.


domingo, novembro 12


Mamãe está ficando louca.
Mal cheguei e já me olhou com aquela cara de preocupação dizendo: "você deve estar doente, Gabriela".
Falou tanto, mas tando na minha cabeça que conseguiu me convencer.
Acabou me levando na benzedeira da cidade e no médico que eu ia antes de me mudar. O médico está ainda mais velho do que era quando eu ia nele. Muito velho. Dá até medo fazer qualquer coisa que ele receita.
Ele me pediu um monte de exames de sangue! E disse que eu preciso fazer - e eu detesto agulhas!
A benzedeira me disse que é mau olhado, espinhela caída e não sei mais o quê. Só sei que no final não perdeu a oportunidade de me chamar de descasada e dizer que dor de cotovelo faz isso com a mulher. Idiota!
Não tem dor de cotovelo alguma aqui!
É só excesso de trabalho. Pronto. Eu estou cansada. Não tem mais nada.
A conclusão é que não vou mais para o Chile. Já avisei a Marina e cancelei as passagens.
E a parte boa é que ... bom, ainda não encontrei a parte boa dessa história toda.


sexta-feira, novembro 10


A Nana adentrou meu apartamento - concluímos certa vez que era prudente deixar uma cópia das chaves com alguém para casos emergenciais. Ela vestia branco da cabeça aos pés. Sem olhar pra mim, abriu o armário do meu quarto e pegou um par de chinelos e o chapéu. Parou frente a prateleira de CDs e catou seus álbuns do Oasis, Fleetwood Mac e Cardigans. Jogou tudo dentro da bolsa de pano. Colocou o beta debaixo do braço, pendurou a chave no porta-chaves. Olhou pra mim e disse, você entendeu tudo errado de novo. O beta pulou do aquário e ficou se debatendo no assoalho. Enquanto tentava pegá-lo, ela se foi deixando a porta aberta.

Adoro interpretar meus sonhos, mas esse, curiosamente, não fiz a menor questão.

Só fui ao aniversário da Taís porque ela mora no andar de cima, se precisasse sair de casa, eu não daria conta. Minha irmã foi comigo e acabou dormindo lá em casa. Quando cheguei, todo mundo me olhou com cara de "a gente já tá sabendo". Marcelo e Taís almoçaram na academia e também viram os pombinhos lá. A noite foi light e a Taís ganhou um peixe beta de presente.

*

Contei a verdade pro Dalton. Ele perguntou se eu estava melhor, mas não consegui responder. Caminhando pro estúdio pensei em dedicar o programa aos amores perdidos. Parei diante da porta e fiquei olhando a foto do menino. Entendi aquilo como um bom conselho.


Encontrei o Júlio na academia a tarde. O Marcelo na praça de alimentação tomando o mesmo suco que eu ia pedir, com uma loira. A Nana e o namorado novo na fila do estacionamento. Meu primeiro namoradinho com esposa e filhos na porta do estúdio. Até o meu pai, com a família nova, tomando sorvete na pracinha. Eu me cansei. Cansei de encontros como esses que não me servem para mais nada a não ser perceber o quanto estou sozinha.

Vou pegar o carro e ir para o jantar chatérrimo da mamãe. De lá, arrumo nova mala e passo uns dias no Chile com a Marina. Só volto na semana da exposição. Definitivamente. Ou perco minha sanidade, se é que ainda me resta alguma.

Vou beber muito.


quinta-feira, novembro 9


Merda! Merda! Merda! É hora do almoço, estou em casa e não tenho condições de voltar pra rádio. Também não vou conseguir ficar dentro desse apartamento. Também não tenho vontade de ir pra lugar nenhum. Não sabia o que fazer, então liguei pra Sara. Pedi pra não contar pra mamãe. Ela disse que já está a caminho e que não é pra eu sair de casa, nem me atirar pela janela. Superprotetora. O peixe beta tá doido no aquário porque Bob Dylan tá cantando tão alto que faz tremer a estante de vidro. E, raios, até um peixe azul de 10 centimetros faz lembrar a maldita ex-namorada que acabei de ver na porta da academia aos amassos com um qualquer.

Lição número um: tem coisas que podem ser adiadas, nunca evitadas. Lição número dois: pra algumas não adianta a gente se preparar mesmo. Lição número três: arrume um namoro novo antes dela.

Vou pro chuveiro que é o melhor lugar pra chorar perdas. Merda. Merda!


Que dia mais estranho ontem.
Acordei com vontade de mudança. Saí correndo para o salão, pensei em pintar os cabelos, em tornar os cachos lisos, qualquer coisa. Mas depois desisti. São longos e têm cachos: e vão continuar assim.

Quando abri minha bolsa preta me dei conta que tinha perdido meu telefone. "Droga!" pensei. Afinal estou na expectativa de alguns telefonemas de trabalho (e talvez estranhamente ansiosa por receber mensagens do Marcelo). Mas ele não estava na minha bolsa que mais parece um guarda-roupas. Tirei tudo de dentro dela: óculos escuros, chaves do apartamento e do carro, agenda, máquina, lentes, porta-cartão, espelho, maquiagem... tirei tudo mesmo! Mas nada daquele aparelhinho azul.

Bom, fui para casa depois de passar no estúdio e revelar as fotos do feriado - que, por sinal, ficaram lindas. Revirei a cozinha - lugar predileto do meu celular - o quarto, o escritório, a sala, tirei livros e DVDs do lugar. Tudo!
Mas sabe-se lá como ele foi parar na rede da varanda. Que cabeça!

Enfim, quando recarreguei a bateria, tinham 3 mensagens:

Primeira: mamãe me chamando de desnaturada e me convidando para um jantar chatérrimo com suas amigas de bingo.
Segunda: o Júlio dizendo que não teve coragem de me contar antes, mas que estava de casamento marcado. (não sei dizer ainda o que eu senti)
Terceira: o cara da rádio, muito estranho, me chamando de Daniela, vê bem? Quase não entendi o que ele disse, mas embora não tenha deixado o nome, deixou o telefone da sua mesa e pediu para eu retornar. Gracinha foi no final, que ele disse algo tipo: "a senhorita pode passar aqui para pegar o porfolio". (divorciada é senhorita?)

Claro que só vou retornar a terceira ligação. Mamãe precisa entender que eu não vou viajar 3 horas num fim de semana para jantar com aquelas fofoqueiras. O Júlio é louco e preciso de distância dele, e também dessa futura esposa. Credo! Mas esse cara da rádio, meio atrapalhado, eu preciso procurar. Acho que vou começar assim:
"Ei, aqui é Gabriela, a fotógrafa. Queria saber sobre as fotos que lhe mandei".
Sei lá. Paro em frente ao espelho e treino um pouco.


quarta-feira, novembro 8


Pra que celular se fica desligado? Eu tenho um sério problema com secretárias eletrônicas. Acabei de deixar o recado mais atrapalhado da minha vida na caixa postal da fotógrafa. Era simplemente pra dizer que o portfolio estava disponível pra ela buscar. Mais simples, impossível. Gaguejei, falei o nome dela errado e quase esqueço de deixar meu telefone. A propósito, tava revendo as fotos. O trabalho é melhor que imaginava. Fiz scanner de uma e colei na porta do estúdio. É uma foto preto e branco de um garotinho fazendo sinal de silêncio com o indicador sobre a boca.

O Boogie-woogie ficou pronto, matei o almoço pra buscar o fusca mais charmoso da cidade. Agora, com alto-falantes novos. Tava sentindo falta dele, mas até que foi legal tomar carona com o Dalton esses dias. O Dalton é ótimo quando o assunto não diz respeito à rádio.

Amanhã é aniversário da Taís, tenho que pensar um presente tão divertido quanto ela.


Eu preciso trocar o carro por uma bicicleta. E o Campari por suco de goiaba light. E a academia por yoga. Ou qualquer coisa.
Minha cabeça está a mil com a exposição.
Não consigo parar de pensar nisso e correr atrás de coisas que farão com que dê certo.

A revista segmentada confirmou divulgação. Estou feliz por isso. Na rádio simplesmente não me atendem. Estou puta da vida com isso. Tudo bem se não houver interesse de patrocínio ou mesmo divulgação, mas custa atender e dizer isso?
Peço para falar com o tal do Dalton. Nada. A secretária provavelmente já me reconhece pela voz.

Ontem a noite estive com o Júlio. Há muito nem nos falávamos. Disse que está bem e feliz, mas duas ou três vezes teve que me alfinetar com comentários sobre nosso relacionamento.
Eu sorri, não respondi nada.
Chega de viver de passado.
Quero coisa nova. Ou prefiro não ter nada.

Hoje a noite quero ouvir boa música. Será que é tão difícil assim achar companhia para uma quarta-feira?


segunda-feira, novembro 6


Odeio feriados. O motivo é simples: todos viajam, menos eu. E isso já tem 8 anos. Oito anos... putz. Acho ridículo quando alguém diz que "o tempo passa depressa". Claro que o tempo não passa depressa, nem devagar. Acontece que, acostumados com a rotina, paramos de contar os dias, as semanas, os anos. Enfim, o que importa é que, há oito anos, um rapaz de vinte e poucos e cavanhaque adentrou a porta amarela com escotilha de vidro - que hoje é preta - com um curriculum nas mãos implorando um estágio aqui na "Sintonia predileta". Maldita hora!

Ao menos choveu. Assim, minha consciência me deixou em paz enquanto namorava a janela molhada, tomando meu whisky favorito ao som de Frank Sinatra. Foi assim até sábado à noite, quando o Fred chegou, para minha surpresa, acompanhado da Taís. Trouxeram Cães de Aluguel pra gente assistir pela enésima vez. Bela pedida!

Domingo estive com o Marcelo. Assim que chegou de viagem me ligou praquela sinuca. O assunto de pauta foi inevitável: Marcelo chamou mesmo a Nana, mas não pela presença dela. Ele queria rever a "bailarina", amiga da Nana, que conheceu por acaso na manhã de Halloween. Tá bom, boa desculpa, ótima causa. Além do mais, tenho que parar com essa de evitar a presença da Nana - coisa que parece inevitável. Fechamos o Bola Preta, pra variar. Bêbados, pra variar.

*

Volto do banheiro e encontro o pacote da fotógrafa sobre a mesa com um post-it do Dalton: "NEGADO. Responde o cara". Porque eu acho que ele nem abriu?


Faz tempo que eu tenho tido pouco tempo.
O feriado me deu energia nova para voltar ao trabalho.
Fui para uma cidade pequena no interior de Minas Gerais e tirei fotos do cemitério, no dia de finados. Nada macabro. Apenas a emoção de pessoas que choram e lembram. E imaginei muitas histórias ali.
Enfim, embora com pouco tempo e muita vontade de trabalhar, mal pude acreditar que não me atenderam na rádio. Já enviei meu trabalho, dei o melhor de mim naquele catálogo da próxima exposição, mas tenho que confessar insegurança quando me disseram que o responsável não podia me atender.

Conversei com a Nana hoje. Marcamos um café mais tarde. Ela e o namorado novo. Espero que leve mais alguém.

Estranho... o Marcelo, dono da casa e da festa de halloween, me mandou duas mensagens ontem a noite. Disse que quer "ver a bailarina dançar". Ai, ai...


quarta-feira, novembro 1


O almoço me fez muito bem. Pelo menos não tô vendo mais estrelinhas quando olho pra cima. Bom, tô vendo bem menos estrelinhas.

O embrulho que o Dalton entregou pela manhã era o portfolio de uma fotógrafa com um pedido de patrocínio pra uma exposição. A rádio não vai topar. O trabalho da moça é ótimo e tal, mas a rádio não patrocina nada há anos. Botei na mesa do Dalton de volta e espero que fique por lá.

Hoje um ouvinte ligou só pra dizer que Elton John já é demais. Como assim "já é demais"? Pelo menos incomodei alguém. Pelo menos alguém ouve a porcaria do programa.

*

Marcelo ligou se desculpando pela presença da Nana. Vamos resolver isso a noite como bons adultos: na mesa de sinuca.


Acordei com uma dor de cabeça que não tinha desde as calouradas da faculdade.
Se eu tivesse ficado em casa, revelando fotos e tomando Campari...
Ok. Mas não foi o que fiz.

Fui a festa. Rever a Nana me fez bem. Adorei a fantasia de Capeta... hahaha... Coisas mesmo da Nana. Para representar ainda mais nossa infância, só se eu tivesse ido de anjo.

Não que a festa tenha sido ruim. Troquei certos olhares com um ou dois piratas interessantes. Mas nada que saísse disso.
O lugar não lembra Diamantina, não lembra Ouro Preto também! Não tem nada de Calabouço. O Marcelo, dono doa casa super transada que recebe esse apelido estranho, é um cara bacana.
Mas sei lá. Ontem eu tive a impressão de estar no lugar errado. Aquela sala cheia de gente, aquela bebida toda. Acho que fumei mais cigarros do que durante toda a semana. Coisa mais feia, eu sei.

Hoje não consigo pensar muito.
Não quero comer nada. Só preciso de uma bolsa de água quente para me ajudar com a cabeça.
Não. Hoje eu não vou trabalhar.
O projeto da próxima exposição fica para amanhã.


O mundo não é maior que a minha cabeça. Cerveja, Sangria, Gin Tônica e um copo de "Vai nessa" que o Fred disse ter preparado especialmente pra mim. O Fred é um cara sensível. Sei que fez na melhor das intenções, depois de duas tentativas frustradas de me levar da sacada de volta pra festa. A noite na sacada não estava nos planos, mas foi o lugar que me coube depois de ver a Nana na festa. O Marcelo me paga, ainda não falamos a respeito. Diaba! A Nana foi de diaba! Com tanta fantasia no mundo! Só acontece com o Nêgo, diria o Marcelo. Por conta disso tive que aturar piadinhas de gente que nunca me viu na vida. O anjo já viu a capetinha? Tendo em vista os quase 1,90 de altura e as coisas que só ela é capaz de fazer, o diminutivo é uma bondade.

No final da noite o Fred veio me dizer que devia ter entrado. Eu disse que era pela Nana. Ele disse que tinha coisa melhor pra fazer lá dentro, como, por exemplo, conhecer a amiga da Nana. A garota parece ter feito sucesso, o Marcelo também me falou da tal bailarina. Não importa, eu me virei bem na companhia da minha carteira de cigarros.

*

Antes que me assentasse Dalton atirou um pacote sobre a mesa - Chegou pra você ontem no fim do dia. O barulho que fez tá ecoando no meu cérebro há meia hora. Vou tomar outra Coca-Cola enquanto penso na programação de hoje. Vou tocar Elton John só porque a Nana não gosta: Tiny Dancer. Será que alguém escuta a droga do meu programa?


Fui convidada, vê bem, para uma festa num tal de Calabouço. Só o nome já me causa arrepios. Nunca fui muito fã de cidades históricas porque de repente eu sentia que elas tinham uma energia muito pesada. Mas não sei bem se lá parece um desses casarões de cidades assim. Bom, resolvi aceitar o convite, afinal era noite de bruxas e não queria passar sozinha no meu ap, tomando Campari ou qualquer coisa que desse cor.
Quem me chamou foi a Nana, amiga de infância que esbarrei outro dia naquele supermercado novo perto da academia. Conversamos meia dúzia de palavras mas já foi o suficiente para lembrarmos das histórias de quando éramos pequenas. Nossa, e ela está realmente alta.
Sobre a fantasia,nossa!! Isso me deu trabalho. Tive que sair mais cedo do estúdio, passar numa loja dessas, e escolher uma. Tinham poucas lá, afinal, já era pra lá das cinco da tarde do dia 31.
Mas por sorte consegui uma que me serviu bem: bailarina.


terça-feira, outubro 31


PRIMEIRO POST

A moça da loja de fantasias ligou, posso passar às 17h pra buscar a roupa de anjo. Quero ver a cara do povo quando chegar um anjo branco em pleno Calabouço. Calabouço é o nome que demos à casa gigante do Marcelo. Era pra ser usado só no Dia das Bruxas, mas desde o ano passado, quando aconteceu a primeira festa de Halloween, a gente não diz mais que vai à casa do Marcelo, a gente vai ao Calabouço. Marcelo me ligou pela manhã perguntando se podia chamar a Nana. Eu disse que não podia.


Como estou sem carro, saio mais cedo da rádio. Disse ao Dalton que tinha que ir ao médico e, com essa, é a terceira "mentirinha" do ano. A primeira foi pra ver a Nana. A segunda foi pra nunca mais ver a Nana.
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